Salvar a Amazônia com o Mercado Financeiro: Sonho ou realidade possível? Proposta de Lula troca "doação por lucro"
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) deixou de ser apenas uma proposta e foi lançado oficialmente em 7 de novembro de 2025, pouco antes da abertura oficial da COP 30. O mecanismo é a aposta central da diplomacia brasileira no evento que ocorre atualmente em Belém.
Diferente de modelos anteriores, o TFFF busca autossuficiência: a meta é que, em dez anos, o fundo consiga operar apenas com os rendimentos gerados pelo mercado, devolvendo o capital investido inicialmente pelos países e dispensando novos aportes governamentais.
Atualização financeira: Metas vs. Realidade
O plano original desenhado pelo governo brasileiro enfrenta um choque de realidade quanto aos valores arrecadados até o momento.
- A meta: O objetivo é levantar
US$ 25 bilhõesiniciais junto a governos, servindo de garantia para captar maisUS$ 100 bilhõesno mercado privado, totalizandoUS$ 125 bilhões. - O arrecadado: Até agora, os compromissos somam
US$ 5,5 bilhões. - Quem investiu: Brasil
(US$ 1 bi), Indonésia(US$ 1 bi), França(US$ 577 mi),Portugal(US$ 1 bi)e Noruega(US$ 3 bi). - O "travão" da Noruega: A Noruega, maior investidora até agora, impôs uma condição dura: seu aporte não pode representar mais de 20% do total do fundo. Isso pressiona o Brasil a buscar mais parceiros urgentemente para "desbloquear" o dinheiro norueguês.
Resistências diplomáticas e políticas
A adesão de potências econômicas tem sido mais lenta do que o esperado.
- A hesitação alemã: Havia grande expectativa de que a Alemanha anunciasse sua entrada. No entanto, técnicos alemães teriam classificado o modelo como "arriscado". Além disso, o chanceler alemão, Friedrich Merz, envolveu-se em polêmicas durante sua passagem por Belém, e o anúncio oficial ainda não ocorreu.
- Orçamentos nacionais: Muitos países, incluindo Brasil e Indonésia, ainda dependem da aprovação de seus orçamentos nacionais para 2026 para efetivar o depósito do dinheiro. Garo Batmanian, do Serviço Florestal Brasileiro, aponta que essa burocracia interna dos países é um fator normal de atraso.
A mecânica de pagamentos confirmada
O funcionamento prático para os beneficiários foi detalhado:
- Pagamento fixo: A previsão é de um repasse de
US$ 4 (aprox. R$ 21)por hectare preservado ao ano. - Sem custo de entrada: Países com florestas tropicais não precisam investir no fundo para receber; basta aderir e comprovar a preservação via satélite.
- Distribuição: A regra de ouro permanece: pelo menos 20% do valor deve ir para povos originários e comunidades locais. Os outros 80% ficam com os governos nacionais para políticas de preservação.
Novas críticas e o "xadrez" do clima
Embora ONGs como WWF e Greenpeace tenham elogiado a iniciativa como um "divisor de águas", surgiram críticas estruturais importantes durante a COP 30:
- Privatização das florestas: Um grupo de mais de 100 organizações (incluindo a Rede de Trabalho Amazônica) publicou uma carta acusando o fundo de promover a "privatização financeira" da natureza, sem combater as causas reais do desmatamento (como mineração e agronegócio predatório).
- Dúvida sobre o repasse: Há ceticismo sobre se os 80% dos recursos que ficam com os governos serão bem geridos e se os 20% chegarão de fato às bases.
- O medo da "pedalada" climática: Negociadores de países em desenvolvimento temem que as nações ricas usem seus investimentos no TFFF (que geram lucro e retorno financeiro) para dizer que cumpriram suas obrigações do Acordo de Paris. O argumento é que "investimento com lucro" não deve contar como "ajuda climática", que deveria ser feita via doações ou financiamento facilitado.
O TFFF está na mesa e operacional, mas caminha a passos mais lentos do que a ambição brasileira projetava. O desafio agora não é mais apenas desenhar o modelo, mas convencer o capital estrangeiro de que o risco vale a pena e garantir à sociedade civil que a "lógica de mercado" não vai atropelar os direitos das comunidades que vivem na floresta. Como resume o governo, o fundo é "mais um item no menu", e não a solução única para a crise climática.
