Especialista de Harvard alerta: Como os vencedores da 2ª guerra se tornaram os maiores obstáculos para a paz

A Organização das Nações Unidas (ONU), concebida em 1945 como o grande farol de esperança após a Segunda Guerra Mundial, atravessa um momento decisivo. A análise do professor Vitelio Brustolin (UFF e pesquisador de Harvard), apresentada na CNN, aponta que o próprio alicerce da organização, o multilateralismo de sua Carta fundadora, está sendo severamente questionado.
Este declínio é mais palpável na área mais crucial para a ONU: A manutenção da paz e da segurança internacionais. Sem uma governança global eficaz, a capacidade da organização de cumprir sua missão primária está em risco.
A arquitetura de poder da ONU: Idealismo vs. Realismo
A missão primordial da ONU, expressa em sua Carta, é "preservar as gerações futuras do flagelo da guerra". O professor Brustolin hierarquiza as prioridades:
1.
Manutenção da Paz: A base de tudo, pois, sem paz, é impossível garantir qualquer outro direito.
2.
Defesa dos Direitos Humanos.
3.
Desenvolvimento Econômico e Social.
A estrutura da organização reflete uma dualidade política inerente:
- Idealismo da Assembleia Geral: Onde todos os 193 Estados-membros (pequenos e grandes) têm um voto e voz.
- Realismo do Conselho de Segurança: O órgão mais poderoso, dominado pelos cinco membros permanentes — EUA, Rússia, China, Reino Unido e França (os vencedores da Segunda Guerra) — que detêm o decisivo poder de veto.
A contradição central: Os guardiões que quebram a paz
O cerne da crise, de acordo com Brustolin, reside em uma contradição profunda e paralisante:
- A acusação: Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, que deveriam ser os principais garantes da paz, são apontados como os maiores violadores do objetivo fundamental da ONU.
- O histórico de violações: Eles "têm descumprido a Carta da ONU sistematicamente desde a década de 1950", minando a credibilidade da própria instituição.
Exemplos notórios:
- O uso frequente do veto pela Rússia para bloquear resoluções contrárias aos seus interesses.
- A Guerra do Iraque (2003), iniciada por EUA e Reino Unido sem a autorização explícita do Conselho de Segurança.
- Essas ações desautorizam a ONU e abalam sua legitimidade perante a comunidade internacional.
Implicações desta crise: Um mundo mais instável e injusto
A análise de Brustolin alerta para o impacto sistêmico do declínio do multilateralismo no cenário global:
A erosão da legitimidade e segurança global
- Vácuo de liderança: Quando os responsáveis pela paz são os que a ameaçam, a ONU perde sua autoridade. Isso cria um ambiente propício para a proliferação de conflitos com impunidade.
- Colapso da governança: O declínio do multilateralismo (corroborado pelo Índice de Paz Global de 2024 do Institute for Economics and Peace) significa que não há um fórum eficaz para mediar disputas entre grandes potências, tornando o mundo mais instável e imprevisível.
Efeito cascata em direitos e desenvolvimento
- Prejuízo aos direitos humanos e ao desenvolvimento: Seguindo a hierarquia de Brustolin, a guerra inviabiliza a proteção de direitos básicos e destrói as bases para o desenvolvimento econômico e social. A crise de segurança afeta todas as outras áreas de atuação da ONU.
A injustiça representativa
- Perda de voz das nações menores: A estrutura de poder do Conselho de Segurança marginaliza a grande maioria das nações. Países com milhões ou até bilhões de habitantes têm sua influência limitada, enquanto apenas cinco nações podem bloquear decisões cruciais para a paz mundial com seu veto.
Um momento de incerteza e reflexão
A afirmação do professor Vitelio Brustolin de que "o multilateralismo da Carta da Onu está em xeque" sintetiza um consenso crescente entre analistas internacionais. A organização, que completou 80 anos, enfrenta sua crise mais profunda justamente porque sua estrutura de poder, concebida no contexto pós-guerra, tornou-se disfuncional para os desafios do século XXI. A contradição entre seu nobre idealismo e a realidade do poder dos estados nacionais, principalmente daqueles com assento permanente no Conselho de Segurança, paralisou sua capacidade de agir. O futuro da governança global depende da capacidade de reformar e adaptar esta instituição, ou de ver surgir novos modelos de cooperação internacional que possam efetivamente "preservar as gerações futuras do flagelo da guerra". O xeque está posto, e o próximo movimento é incerto.