O mito da ceia perfeita: Família de sangue nem sempre é apoio - A psicanálise por trás das expectativas de fim de ano
Nesta síntese atualizada das reflexões da psicanalista Vera Iaconelli, exploramos como as relações contemporâneas, da mesa de Natal às redes sociais, exigem uma nova postura emocional. O objetivo é desconstruir idealizações e oferecer ferramentas práticas para lidar com a convivência e a saúde mental em um mundo hiperconectado.
O alívio de baixar as expectativas no fim de ano
As festas de dezembro funcionam como uma "contabilidade emocional" que pode gerar angústia. Iaconelli sugere que o segredo para a sanidade mental é a estratégia de redução de danos.
- A família real vs. A idealizada: É preciso abandonar a fantasia de que o Natal mudará a dinâmica da família. Se a relação é difícil o ano todo, ela continuará sendo no jantar de celebração.
- Civilidade como vitória: Um encontro civilizado, onde os laços são mantidos sem explosões, já deve ser considerado um sucesso. Não tente resolver traumas de décadas durante uma ceia.
- O limite do tolerável: Nem tudo deve ser suportado em nome da tradição. Em casos de violência ou abusos psicológicos, o maior ato de saúde mental é o afastamento.
Quando o sangue dá lugar à escolha
A definição de família está migrando da genética para a responsabilização e o cuidado mútuo. O suporte que antes era esperado apenas dos parentes agora floresce em novos arranjos.
- Núcleos de cuidado: Amigos que criam filhos juntos ou redes de apoio entre vizinhos são as novas formas de "família" que priorizam a presença real ao longo da vida.
- O valor do contraditório: A família biológica é um dos poucos espaços onde convivemos com quem não escolhemos. Isso a torna um exercício fundamental de tolerância e convivência com a diferença.
- A intimidade necessária: Ser humano exige um "lugar de retorno", onde se pode compartilhar o sofrimento com lealdade. Esse lugar não precisa ser, obrigatoriamente, a casa dos pais.
A rede social como uma jornada de trabalho
Iaconelli é enfática: precisamos parar de tratar o uso do celular como lazer. Para a psicanalista, estamos em expediente não remunerado para as grandes empresas de tecnologia.
- O produto somos nós: Ao navegar sem limites, estamos produzindo dados e engajamento, muitas vezes às custas de nossa própria saúde psíquica.
- A ética da desconexão: É necessário estabelecer uma "nova etiqueta", com horários claros de parada e espaços físicos onde o celular é proibido, para que a vida social real possa acontecer.
- A armadilha da dopamina: O estímulo constante das redes é comparável a dependências químicas, tornando a "greve individual" das telas um ato de resistência necessário.
Masculinidade e o desafio do antimachismo
O aumento da violência contra a mulher é analisado como uma crise de identidade masculina diante do fim da subalternidade feminina.
- O peso do "não": Muitos feminicídios ocorrem quando a mulher exerce sua autonomia e rompe um pacto de silêncio. Alguns homens respondem com violência por não terem ferramentas emocionais para lidar com a rejeição.
- Do machismo ao antimachismo: Não basta ser um "homem de bem". A mudança real exige que os homens confrontem seus pares, questionem piadas e comportamentos abusivos em seus círculos íntimos.
- Educar para o cuidar: Meninos precisam ser autorizados a exercer o cuidado e a sensibilidade, sem que isso seja visto como uma ameaça à sua identidade.
A maturidade emocional não reside em encontrar a família perfeita ou a vida digital ideal, mas em aceitar a humanidade falível das pessoas ao nosso redor e de nós mesmos. Ao humanizarmos nossos pais e assumirmos a responsabilidade por nossas escolhas, deixamos de ser reféns de expectativas alheias para nos tornarmos os verdadeiros autores de nossas histórias.
