Idade da treva digital: Por que os segredos de Stephen Hawking estão em perigo?
A Biblioteca da Universidade de Cambridge é o lar de alguns dos documentos mais importantes da humanidade. Em seus corredores, descansam manuscritos de Isaac Newton, cadernos originais de Charles Darwin e fragmentos bíblicos milenares, como o Papiro Nash. No entanto, em 2025, o maior desafio dos arquivistas não é o papel que se desfaz, mas o plástico que silencia.
Ao receber 113 caixas vindas do escritório de Stephen Hawking, a equipe de preservação encontrou, além de cartas e fotos, centenas de disquetes. Esses dispositivos, essenciais para o físico que sofria de esclerose lateral amiotrófica, guardam segredos sobre sua rotina, suas palestras e sua genialidade que correm o risco de desaparecer para sempre.
A fragilidade do magnetismo e o risco da idade da treva digital
Muitas vezes acreditamos que o plástico e o digital são eternos, mas a realidade é oposta:
- Degradação física: O óxido de ferro que armazena os dados nos disquetes perde o magnetismo com o tempo.
- A "chave" perdida: Diferente de um livro, que pode ser lido apenas com os olhos, um disquete exige um hardware específico que já não é mais fabricado.
- O conceito de idade da trevas digital: Historiadores temem que, se não agirmos agora, os últimos 50 anos de história humana se tornem um "buraco negro" de informações, pois os registros estarão presos em formatos que ninguém consegue mais acessar.
O projeto futura nostalgia: Arqueologia da computação
Para enfrentar esse cenário, a biblioteca lançou o projeto Futura Nostalgia, liderado pela especialista Leontien Talboom. O trabalho envolve uma mistura de tecnologia de ponta e busca por sucatas históricas:
- Caça ao hardware: A equipe busca unidades de leitura em leilões, mercados de colecionadores e sites como o eBay.
- Restauração manual: Em muitos casos, é necessário remover mofo das superfícies magnéticas manualmente para evitar que o disco seja riscado permanentemente.
- Engenharia reversa: Para ler formatos raros, como os discos de 3 polegadas da Amstrad, os técnicos precisam construir novos conectores e improvisar cabos de energia.
O que foi encontrado nos disquetes de Hawking?
O processo de recuperação já começou a render frutos fascinantes sobre a vida do físico teórico:
- O lado lúdico: Foram encontrados jogos de computador nos discos mais antigos, revelando o lado descontraído de Hawking.
- Voz e comunicação: Arquivos com textos simples que ele usava para alimentar seu sintetizador de voz, permitindo que ele participasse de conversas em tempo real.
- Palestras fragmentadas: Devido ao tamanho limitado dos disquetes de 3,5 polegadas, palestras inteiras precisavam ser divididas em vários discos, criando um quebra-cabeça digital para os arquivistas.
- Correspondências: Cartas pessoais e profissionais que datam do início da era da computação pessoal (anos 70 e 80).
O desafio da tradução de software
Mesmo após extrair os dados binários de um disco, o trabalho não termina. É necessário entender o software original:
- Sistemas obsoletos: Muitos documentos foram escritos em processadores de texto que não existem mais, como o Diamond Word.
- Tradução digital: O processo é comparado à filologia, onde especialistas traduzem "latim digital" para formatos modernos (como PDFs ou arquivos de texto atuais) sem alterar a essência do documento original.
- Conhecimento em extinção: As pessoas que criaram esses sistemas estão se aposentando ou falecendo, levando consigo o conhecimento técnico necessário para operar essas máquinas antigas.
Preservação como missão coletiva
- O projeto não se limita aos arquivos de gênios. A Biblioteca de Cambridge tem promovido workshops para que o público leve seus próprios disquetes antigos. O objetivo é ajudar as pessoas a recuperarem histórias familiares e conscientizar sobre a importância de migrar dados antigos para suportes modernos antes que o magnetismo se apague completamente.
Como afirma a equipe do projeto, o objetivo final é garantir que o passado digital não seja apenas uma série de zeros e uns ilegíveis, mas uma memória viva e acessível para as próximas gerações.
