Imposto oculto do crime: Como a ilegalidade drena R$ 1,5 tri da economia brasileira
O crime organizado e a ilegalidade representam um "imposto oculto" que sobrecarrega a economia brasileira, com prejuízos estimados em até R$ 1,5 trilhão anualmente. Este custo equivale a 12% a 14% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, rivalizando com a economia de nações inteiras.
O resumo a seguir, originalmente de Robert Muggah, Richard von Weizsäcker Fellow na Bosch Academy e co-fundador do Instituto Igarapé, detalha como essa macroeconomia paralela afeta as finanças públicas, a segurança e o desenvolvimento nacional.
A macroeconomia invisível do crime
O impacto da ilegalidade vai muito além dos gastos visíveis com segurança. Ele se manifesta em duas dimensões financeiras:
- Custos visíveis: Despesas diretas com policiamento, sistema judicial, segurança privada e seguros.
- Custos invisíveis (Social e Produtivo): Perda de vidas, queda de produtividade, erosão da confiança e investimentos que deixam de ser realizados devido à insegurança.
Estimativas chave do prejuízo:
- Pesquisas anteriores do BID e do Ipea sugeriram que o custo da violência e do crime consumia entre 3,4% e 5,9% do PIB.
- Estimativas mais recentes, contabilizando perdas indiretas, apontam que o crime pode estar reduzindo o PIB anual em cerca de 11%, o que supera
R$ 1 trilhãoem valores atuais.
A vasta economia subterrânea e a evasão fiscal
Uma parcela significativa da economia brasileira opera nas sombras, fornecendo o ambiente ideal para a ilegalidade:
- Informalidade e cobertura: A economia subterrânea representou cerca de 17,8% do PIB em 2022 (aproximadamente
R$ 1,7 trilhão). Embora nem toda atividade informal seja criminosa, essa vasta circulação de dinheiro em espécie facilita o contrabando, a fraude fiscal e a lavagem de dinheiro, dificultando a fiscalização. - Contrabando e pirataria: O comércio ilícito custou ao Brasil cerca de
R$ 468 bilhõesem 2024, sendoR$ 140 bilhõesem impostos não arrecadados eR$ 328 bilhõesem vendas perdidas para empresas legítimas.
Impacto no comércio e na logística
O roubo e a fraude impõem uma sobretaxa oculta que se reflete no preço final dos produtos:
- Roubo de cargas: Em 2024, foram registrados 10.478 roubos de carga, com perdas de
R$ 1,2 bilhão. - Fraudes no combustível: Somados aos roubos de cargas, o custo anual com roubos e fraudes no setor de combustíveis pode atingir
R$ 29 bilhões. - Custos de proteção: As empresas são forçadas a investir em rastreadores, escoltas blindadas e mudanças de rota, repassando esses custos para o consumidor.
A nova fronteira do crime ambiental
A ilegalidade nas florestas e rios não causa apenas danos ecológicos, mas também prejuízos econômicos bilionários:
- Ouro ilegal: Quase metade da produção de ouro do Brasil entre 2015 e 2020 (229 toneladas) tinha indícios de ilegalidade, valendo dezenas de bilhões de dólares. Além de privar o tesouro de impostos, atua como veículo para a lavagem de dinheiro.
- Desmatamento e perda de energia: A ilegalidade no desmatamento é quase total (99,8% dos alertas de desmatamento em 2020 apresentavam sinais de ilegalidade).
- Perdas de geração de energia: O desmatamento afeta os "rios voadores", resultando na perda de cerca de 3.700 a 3.800 gigawatts-hora de geração potencial em Itaipu e Belo Monte, o que se traduz em mais de
R$ 1 bilhãoem receita perdida anualmente. - Prejuízos na agricultura: Perdas relacionadas à seca na agricultura dependente de chuvas atingiram cerca de
R$ 186 bilhõesentre 2013 e 2022. - Serviços ecossistêmicos: Manter a Amazônia em pé gera pelo menos
US$ 317 bilhões por ano em benefícios (cerca deR$ 1,5 trilhão), tornando o desmatamento ilegal uma gigantesca transferência de riqueza pública para mãos privadas.
O combate ao crime como imperativo macroeconômico
O custo total da ilegalidade oscilando entre R$ 1,3 trilhão e R$ 1,5 trilhão anualmente reforça a necessidade de tratar o crime como uma distorção macroeconômica.
- Impacto regressivo: Este imposto oculto penaliza desproporcionalmente os mais pobres, que são mais expostos à violência e menos capazes de absorver a inflação e a instabilidade.
Foco na ilegalidade financeira:
O governo federal tem intensificado as ações para combater o crime organizado que opera dentro da economia formal:
- Projetos de lei para aprimorar o tratamento dos "devedores contumazes" (empresas que usam a evasão fiscal como modelo de negócio).
- Criação de um núcleo permanente para combater o crime organizado no Ministério da Justiça, unindo autoridades fiscais, Polícia Federal e promotores.
- Negociação de cooperação com os EUA para compartilhamento de informações sobre lavagem de dinheiro e fraude fiscal.
Operações recentes como a Carbono Oculto (combate a uma rede que lavou R$ 52 bilhões em transações de combustíveis adulterados) e ações contra devedores contumazes (com dívidas fiscais superiores a R$ 26 bilhões) demonstram a nova abordagem coordenada, focada em desmantelar as complexas estruturas financeiras que protegem o crime de alto escalão.
