Privilégios fiscais no IR: Como o agronegócio blindou sua renda na reforma e o que isso significa para o nosso bolso

A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) do governo Lula foi lançada com um objetivo claro: promover a justiça tributária no Brasil. A ideia era aliviar a carga sobre os mais pobres e aumentar a contribuição dos mais ricos. No entanto, o texto aprovado na Câmara dos Deputados trouxe uma reviravolta que acende o debate sobre privilégios fiscais.
O plano original aprovado: Mais alívio, mais contribuição
O projeto mantém a essência do que foi proposto pelo Executivo, focando em uma distribuição mais equitativa da carga tributária:
- Alívio para a baixa renda: Cerca de 14 milhões de brasileiros que ganham até
R$ 5.000
mensais ficarão isentos do IR. - Redução parcial: Quem recebe até
R$ 7.350
mensais também terá uma redução na cobrança. - A nova contribuição dos super-ricos: Para compensar a perda de arrecadação de
R$ 26 bilhões
, a proposta cria um imposto mínimo progressivo para os mais abastados. Contribuintes com renda anual acima deR$ 600 mil
pagarão uma alíquota mínima, podendo chegar a 10% para rendas acima deR$ 1,2 milhão
.
O ponto de tensão: A proteção fiscal ao agronegócio de alto padrão
A mudança mais significativa, inserida pelo relator Arthur Lira, criou uma notável exceção que beneficia grandes produtores rurais de alta renda:
- A exclusão chave: A emenda determina que a "parcela isenta relativa à atividade rural" não será contabilizada no cálculo do novo imposto mínimo.
- O impacto na prática: Isso blinda uma porção significativa da renda dos grandes fazendeiros — que hoje já é isenta — de qualquer nova tributação, mesmo que seus lucros anuais superem os milhões.
Por que essa exceção custa caro
A manutenção desse benefício tem implicações financeiras diretas para o país e está enraizada em regras antigas:
- Perda de arrecadação bilionária: Especialistas estimam que o governo deixará de arrecadar entre
R$ 3 bilhões e R$ 4,1 bilhõe
s por ano com a exclusão da renda rural do imposto mínimo. - Regime especial de 1990: O benefício se sustenta em uma regra que permite aos produtores rurais que declaram como pessoa física optar pelo "lucro presumido". Neste modelo, apenas 20% do faturamento é considerado lucro tributável; os outros 80% são presumidos como custos de produção, sem necessidade de comprovação.
- O poder do "Lobby do Agro": A manutenção desse privilégio é amplamente atribuída à força política e influência da bancada do agronegócio no Congresso Nacional.
O cenário da desigualdade tributária no Brasil
Essa discussão se insere em um contexto maior de distorções na tributação de renda no país, que a proposta do governo visava corrigir:
- Os milionários pagam menos: Dados apontam que, em 2023, os contribuintes com renda anual acima de
R$ 5 milhões
pagaram, em média, apenas 4,34% de sua renda em IR efetivo. - A classe média paga o dobro: Em contraste, a classe média (renda mensal entre 5 e 30 salários mínimos) paga uma alíquota efetiva média de 9,85%.
- Distinção histórica: A carga tributária efetiva sobre os super-ricos caiu cerca de 40% desde 2007, enquanto a da classe média subiu, em grande parte pela falta de correção da tabela do IR e pela isenção de dividendos.
A criação do imposto mínimo era o principal mecanismo para garantir que os mais ricos, que se beneficiam de inúmeras isenções, contribuíssem com um patamar básico para as contas públicas.
Um avanço com Limites
- A aprovação do projeto na Câmara é um passo importante para um sistema tributário mais justo, aliviando os assalariados de baixa renda e iniciando a taxação efetiva sobre rendimentos dos mais ricos. No entanto, a concessão de proteger a renda isenta do agronegócio de alta renda expõe a complexidade da política brasileira.
Ela ilustra como interesses setoriais poderosos conseguem, mesmo em projetos focados na equidade, garantir a manutenção de privilégios. O futuro da reforma segue para o Senado, onde essa disputa entre a busca por justiça fiscal e a defesa de benefícios setoriais continuará.